Por ocasião do lançamento do novo livro de Alice Vieira – Só Duas Coisas que, entre tantas, me afligiram –, o FLUL Alumni falou com a alumna da FLUL sobre o acto de escrever e pensar, o lugar do jornalismo e o papel da Faculdade de Letras na sua vida.
Recordando momentos, lembrando professores e revivendo lugares, Alice Vieira, que se formou em Filologia Germânica depois de entrar na FLUL “sem grande entusiasmo”, conta como o Bar de Letras teve um papel crucial na sua formação. Um exercício de memória, num tempo em que a actualidade a aflige…
Entrevista: Tiago Artilheiro | Fotografia: Alice Vieira
Só duas coisas, entre tantas, a afligiram… No livro concluímos que foram (são) bem mais. O que é que verdadeiramente a aflige?
Alice Vieira (AV): Tantas coisas me afligem…E já nem falo das que nos afligem a todos nestes dias de incertezas e ameaças. Falo de coisas aparentemente mais banais: a falta de memória das pessoas, a indiferença, a solidão para que atiram os velhos, por exemplo.
No livro estão presentes vivências de um tempo que ficou mais ou menos para trás, mas que recupera para o presente para, de alguma forma, conseguir compreendê-lo. O livro também é isso, uma reflexão inserida num tempo voraz?
AV: Num tempo cada vez mais voraz. É impressionante a velocidade com que tudo passa! Por isso acho que é importante deixarmos um pouco de nós, o testemunho daquilo que vivemos. “Confesso que vivi”, diria o Neruda.
Sendo jornalista, a crónica permite colocar no papel aquilo que a postura mais isenta do jornalismo não deixa? Ou essa isenção não existe?
AV: Não há jornalismo neutro, como logo me ensinaram os meus primeiros mestres do “Diário de Lisboa”, quando ainda nem se sonhava com escolas de jornalismo. Não é o mesmo dizer 500 mil ou meio milhão. É o velho exemplo do copo meio cheio ou meio vazio. Mas tentamos sempre ser isentos. Por isso, quando queremos assumir a nossa posição, escrevemos uma crónica ou um artigo de opinião e assinamos. Assumimos a responsabilidade.
No livro são algumas as passagens que abordam a vida pessoal - familiar, amorosa,… - da Alice. Este também é um livro de memórias? Porquê?
AV: Livro de pequenas memórias, talvez. Porque se chega a uma altura da nossa vida em que temos sempre a tentação de olhar para trás e fazer balanços… E eu acho que fui uma mulher de sorte: por ter vivido no tempo (e nos lugares ) em que vivi e conhecido as pessoas que conheci.
O Bar de Letras foi um desses sítios?
AV: O Bar de Letras era onde tudo se discutia, onde tudo acontecia, onde nos conhecíamos a todos. No Bar de Letras encontrávamos os nossos colegas de outras faculdades (sobretudo Direito, mesmo em frente). No Bar de Letras íamos todos salvar o mundo. Foi a nossa verdadeira universidade nesse tempo!
O que recorda? Sei que entrou para a Faculdade sem grande entusiasmo…
AV: Não entrei para a FLUL com grande entusiasmo, é verdade, porque sempre soube que a minha vida não iria fazer-se por ali… Entrei exactamente no mesmo ano em que entrei para o “Diário de Lisboa”. Mas apanhei logo a greve académica de 61/62. Foi um tempo extraordinário!
Professores como David Mourão Ferreira influenciaram-na na forma de pensar e de escrever?
AV: Tive dois grandes professores: o David Mourão Ferreira, em Teoria da Literatura, e o Monteiro Grillo (mais conhecido pelo pseudónimo de Tomaz Kim, com que assinava a sua poesia) em Literatura Americana. Um no primeiro ano do curso, o outro no último. Mas o David, que depois se tornou num grande amigo, foi fundamental. Eu digo sempre que foi ele que me ensinou a ler. A entender um texto, a descodificá-lo.
Com mais um livro editado, o que anda agora a escrever?
AV: Tenho o meu quarto livro de poesia já pronto. Mas ainda estou a revê-lo, a modificar algumas coisas. Vai chamar-se Olha-me Como Quem Chove, um verso retirado de um poema de Ruy Belo, grande amigo que conheci no Bar de Letras!
Consulte a Biografia de Alice Vieira e o seu Testemunho sobre a passagem pela FLUL.